FOSFOETALONAMINA
Muito tem-se
falado atualmente a respeito da cura do câncer através da Fosfoetanolamina, uma
substância isolada de uma vespa brasileira Polybia paulista,
que mostrou-se potencialmente eficaz contra células cancerígenas. O tema tem
sido motivo de debates e discussões na mídia, intensificados há duas semanas
com a aprovação, no dia 17 de março de 2016, do projeto de lei que autoriza o
uso da fosfoetanolaminasíntética sem o registro pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa). Para
inferir as possíveis implicações, positivas ou negativas, dessa nova
lei, é importante ter em mente alguns conceitos e conhecimentos essenciais
sobre a forma como novos medicamentos são desenvolvidos e testados antes de
estarem disponíveis para a população.
O termo droga,
muitas vezes utilizado como sinônimo de medicamento, é definido como substância
ou matéria-prima que tenha a finalidade medicamentosa ou sanitária. Princípio
ativo ou fármaco, por sua vez, refere-se a substância, existente na formulação
do medicamento, responsável pelo seu efeito terapêutico, ou seja, pela sua ação
no organismo.Já em relação ao termo medicamento, trata-se de todo produto
farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática,
curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. Assim, qualquer produto,
independentemente da natureza (vegetal, animal, mineral ou sintética) que
possuir alegações terapêuticas, deve ser considerado medicamento e precisa de
registro para ser fabricado e comercializado. O registro de um medicamento,
coordenado e regulamentado pela ANVISA, só é emitido mediante a constatação de
sua eficácia e segurança, isto é, da efetividade e não toxicidade em seres
humanos. Essa constatação é realizada pela análise dos dados contidos nos
relatórios de estudos não clínicos (não realizados em
seres humanos) e clínicos fase I,II e III (realizados em
seres humanos), sempre
pautada na relação risco/benefício do medicamento.
A segurança e
a eficácia são os objetivos principais no desenvolvimento de qualquer
medicamento. No entanto, a segurança é uma propriedade relativa dado que todo o
fármaco pode ser quer prejudicial quer
benéfico; a maior segurança corresponde maior utilidade, isto é, quanto mais
ampla for a margem de segurança de um fármaco (janela terapêutica, a diferença
entre uma dose habitualmente eficaz e uma dose que possa produzir efeitos
secundários graves ou perigosos), maior será a sua utilidade. Se a dose eficaz
de um determinado fármaco é, ao mesmo tempo, tóxica, o médico prescrevê-lo-á
exclusivamente em situações pontuais em que não exista outra alternativa mais
segura. Os melhores fármacos são simultaneamente eficazes e, de modo geral,
seguros.
Isolada pela
primeira em 1936 por Edgar Laurence Outhouse do Departmento de Pesquisas
Médicas do Instituto Banting da Universidade de Toronto, Canadá, a
fosfoetanolamina vem sendo estudada e sintetizada a mais de 20 anos por um
grupo independente de pesquisadores, coordenado pelo Prof. Dr. Gilberto
OrivaldoChierice, vinculados ao Instituto de Química de São Carlos. A substância tem sido alvo de
diversas pesquisas com animais que apontam seu potencial no combate a células
cancerígenas, devido a suposta similaridade a um
composto que existe no organismo, o qual identifica as células cancerosas,
permitindo que o sistema imunológico as reconheça e as remova. Em 2007, o
cancerologista Renato Meneguelo, integrante da equipe de Chierice, apresentou
um estudo com a substância em células tumorais de melanoma, um tipo de câncer
de pele, injetadas em animais. Ao comparar o efeito da fosfoetanolamina com
quimioterápicos, o cancerologista constatou que a regressão da doença nas
cobaias foi mais eficaz com o uso do composto. Outras pesquisas semelhantes
foram realizadas com relação à leucemia, cânceres de rim e de colo, todas com
resultados promissores.
Diante dos
resultados preliminares animadores, a fosfoetanolaminasintetica passou a ser
distribuída, sem a autorização prévia da Universidade de São Paulo, para alguns
pacientes portadores de câncer na região da cidade de São Carlos-SP, antes mesmo de dar
início a um estudo clínico com seres humanos, etapa fundamental para a
fosfoetanolamina passar a ser considerada medicamento pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária. Em 2014, a droga parou de ser distribuída, depois de uma
portaria determinar que substâncias experimentais deveriam ter todos os
registros antes de serem liberadas à população. Sem a licença, pacientes passaram
a conseguir a liberação na Justiça, por meio de liminares.
Apesar da
fosfoetalonamina ser uma promessa para o tratamento do câncer, deve-se
enfatizar o fato de que não há na ANVISA, agência responsável pelo registro de
medicamentos no Brasil e posterior liberação de sua comercialização desde 1999,
qualquer registro concedido ou pedido de registro para medicamentos com o
princípio ativo fosfaetanolamina. Sendo assim, não houve nenhuma constatação da
segurança e eficácia em seres humanos pelo uso desses medicamentos e ,
portanto, não devem substituir em hipótese alguma os medicamentos e
procedimentos já estudados e com eficácia comprovada cientificamente. A
rigorosidade no processo de desenvolvimento e aprovação dos medicamentos
representou um grande avanço na saúde mundial, dado a exigência de se conhecer
profundamente os efeitos benéficos e deletérios de uma determinada droga antes
de prescrevê-la. São vários os exemplos na história da farmacologia que
evidenciam os perigos do uso precoce e indiscriminado de substâncias não
adequadamente testadas. Nesse sentido, para que a fosfoetanolamina se
torne mais uma aliada da medicina no
tratamento do câncer, é imprescindível que ela seja submetida aos mecanismos
que permitirão ter suas propriedades terapêuticas plenamente exploradas.
1)
Votação do projeto de lei
2)
Vídeo de Drauzio Varella
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