terça-feira, 29 de março de 2016

FOSFOETALONAMINA


Muito tem-se falado atualmente a respeito da cura do câncer através da Fosfoetanolamina, uma substância isolada de uma vespa brasileira Polybia paulista, que mostrou-se potencialmente eficaz contra células cancerígenas. O tema tem sido motivo de debates e discussões na mídia, intensificados há duas semanas com a aprovação, no dia 17 de março de 2016, do projeto de lei que autoriza o uso da fosfoetanolaminasíntética sem o registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para  inferir as possíveis implicações, positivas ou negativas, dessa nova lei, é importante ter em mente alguns conceitos e conhecimentos essenciais sobre a forma como novos medicamentos são desenvolvidos e testados antes de estarem disponíveis para a população.
O termo droga, muitas vezes utilizado como sinônimo de medicamento, é definido como substância ou matéria-prima que tenha a finalidade medicamentosa ou sanitária. Princípio ativo ou fármaco, por sua vez, refere-se a substância, existente na formulação do medicamento, responsável pelo seu efeito terapêutico, ou seja, pela sua ação no organismo.Já em relação ao termo medicamento, trata-se de todo produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. Assim, qualquer produto, independentemente da natureza (vegetal, animal, mineral ou sintética) que possuir alegações terapêuticas, deve ser considerado medicamento e precisa de registro para ser fabricado e comercializado. O registro de um medicamento, coordenado e regulamentado pela ANVISA, só é emitido mediante a constatação de sua eficácia e segurança, isto é, da efetividade e não toxicidade em seres humanos. Essa constatação é realizada pela análise dos dados contidos nos relatórios de estudos não clínicos (não realizados em seres humanos) e clínicos fase I,II e III (realizados  em  seres  humanos), sempre pautada na relação risco/benefício do medicamento.
A segurança e a eficácia são os objetivos principais no desenvolvimento de qualquer medicamento. No entanto, a segurança é uma propriedade relativa dado que todo o fármaco pode ser quer  prejudicial quer benéfico; a maior segurança corresponde maior utilidade, isto é, quanto mais ampla for a margem de segurança de um fármaco (janela terapêutica, a diferença entre uma dose habitualmente eficaz e uma dose que possa produzir efeitos secundários graves ou perigosos), maior será a sua utilidade. Se a dose eficaz de um determinado fármaco é, ao mesmo tempo, tóxica, o médico prescrevê-lo-á exclusivamente em situações pontuais em que não exista outra alternativa mais segura. Os melhores fármacos são simultaneamente eficazes e, de modo geral, seguros.
Isolada pela primeira em 1936 por Edgar Laurence Outhouse do Departmento de Pesquisas Médicas do Instituto Banting da Universidade de Toronto, Canadá, a fosfoetanolamina vem sendo estudada e sintetizada a mais de 20 anos por um grupo independente de pesquisadores, coordenado pelo Prof. Dr. Gilberto OrivaldoChierice, vinculados ao Instituto de Química de São Carlos. A substância tem sido alvo de diversas pesquisas com animais que apontam seu potencial no combate a células cancerígenas, devido a suposta similaridade a um composto que existe no organismo, o qual identifica as células cancerosas, permitindo que o sistema imunológico as reconheça e as remova. Em 2007, o cancerologista Renato Meneguelo, integrante da equipe de Chierice, apresentou um estudo com a substância em células tumorais de melanoma, um tipo de câncer de pele, injetadas em animais. Ao comparar o efeito da fosfoetanolamina com quimioterápicos, o cancerologista constatou que a regressão da doença nas cobaias foi mais eficaz com o uso do composto. Outras pesquisas semelhantes foram realizadas com relação à leucemia, cânceres de rim e de colo, todas com resultados promissores.
Diante dos resultados preliminares animadores, a fosfoetanolaminasintetica passou a ser distribuída, sem a autorização prévia da Universidade de São Paulo, para alguns pacientes portadores de câncer na região da cidade de São Carlos-SP, antes mesmo de dar início a um estudo clínico com seres humanos, etapa fundamental para a fosfoetanolamina passar a ser considerada medicamento pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Em 2014, a droga parou de ser distribuída, depois de uma portaria determinar que substâncias experimentais deveriam ter todos os registros antes de serem liberadas à população. Sem a licença, pacientes passaram a conseguir a liberação na Justiça, por meio de liminares.
Apesar da fosfoetalonamina ser uma promessa para o tratamento do câncer, deve-se enfatizar o fato de que não há na ANVISA, agência responsável pelo registro de medicamentos no Brasil e posterior liberação de sua comercialização desde 1999, qualquer registro concedido ou pedido de registro para medicamentos com o princípio ativo fosfaetanolamina. Sendo assim, não houve nenhuma constatação da segurança e eficácia em seres humanos pelo uso desses medicamentos e , portanto, não devem substituir em hipótese alguma os medicamentos e procedimentos já estudados e com eficácia comprovada cientificamente. A rigorosidade no processo de desenvolvimento e aprovação dos medicamentos representou um grande avanço na saúde mundial, dado a exigência de se conhecer profundamente os efeitos benéficos e deletérios de uma determinada droga antes de prescrevê-la. São vários os exemplos na história da farmacologia que evidenciam os perigos do uso precoce e indiscriminado de substâncias não adequadamente testadas. Nesse sentido, para que a fosfoetanolamina se torne  mais uma aliada da medicina no tratamento do câncer, é imprescindível que ela seja submetida aos mecanismos que permitirão ter suas propriedades terapêuticas plenamente exploradas.

1)    Votação do projeto de lei

2)    Vídeo de Drauzio Varella


Nenhum comentário:

Postar um comentário